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DIANA MORÁN
(Panamá, 1932 – México, 1987)
Poeta e professora. Seus poemas são cantos de amor e de clamor pela justiça no seu agredido Panamá.
Perseguida, exilou-se no México, em 1969, onde exerceu sua profissão de pedagoga.
Numerosos livros, o primeiro, de 1957, Eva definida. Seguiram-se: Presentimiento de la carnal corola dilatada e Soberanía presencia de la patria (ambos de 1964), En el nombre del hijo (1966), Al Che, superlativo salvador del impensado (1972), e Reflexiones junto a tu piel (1979).
TEXTOS EM PORTUGUÊS
MELLO, Thiago de. Poetas da América de canto castellano. Seleção, tradução e notas de Thiago de Mallo. São Paulo: Global, 2011. 495 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Tradução de THIAGO DE MELLO:
Eva definida
Mulher... Eva de sede esperançada,
irrompo em tuas ondas materiais,
para beber as águas sindicais,
as cabeças de carne desgarrada.
E assim, tão simplesmente enamorada,
ser noiva de doçuras corporais,
esposa de limoeiros verticais
em êxtase de terra liberada.
Quero beber a aurora coletiva,
quebrada de ternura combativa
de tuas mãos em concha perfumada.
Nutrir o istmo novo dos meus filhos
com a revolução de beijos fixos,
síntese das bocas e dos grãos.
II.
Homem-lstmo, Adão de barro verde!
De teus úmidos olhos de cilantro,
Tua pele silvestre de hortelã,
Brota a alvorada de uma pátria pura,
Pentagrama sensual de clorofila.
Forjam-me as notas revolucionárias
— o proletário coração triunfante —
a sinfonia social dos homens.
Cântico guia dos trabalhadores,
rente às margens de tua boca espero
o avermelhado resplendor sonoro
que fará florescer minhas pupilas.
Deixa... deixa que eu seja junto a ti.
(De Eva definida, 1957)
Soberana presença da pátria
Em janeiro nas ruas onde rolam os gritos,
Na carne nove ou dez, na súplica radial
de um rubro arroio para soldar os nervos,
é a data de um povo que encontrou o seu caminho.
Escutem o que eu digo,
com uma brasa de ódio
no pássaro doce que habita meu seio,
ainda que a barba de Walt Whitman fale
de famílias de erva e moral de maçãs.
A Pátria se foi, como faz tempo se vai,
com sua camisa branca
e a gravata azul da adolescência,
com o civismo azul do seu passo
e o fértil batalhão de suas artérias
e a desfraldar o voo ali onde cortaram
as asas tricolores de seus emblemas.
Escutem o que digo...
Com a capela ardente do rancor mais ancestral:
Minha Pátria, cântaro de amor de todo idioma,
que oferece sua água boa ao peregrino,
arrastou sessenta calendários
sem direito à fruta, a árvore do seu horto,
a cintura sagrada na bondade.
Em cada lugar do meu corpo punge uma dor
de sempre-vivas
Para contar ao mundo a parábola do bom vizinho
Que esmagou a luz recém-nascida. Jovenzinha de paz,
existe a fruta, o horto, a haste do teu nome
e o muro, o muro branco... o muro rubro
sua carta fraternal... Punta del Este
desalinhavou tua essência, derramou teu caudal,
na úmida intempérie de gases lacrimogênios,
gemias, Panamá, como um milharal em chamas.
Quem me pede cortinas
para azular a pele queimada dessas faces
que jamais pensaram em atirar um jasmim nas
calandras?
Quem reclama a sílaba final de um cordeirinho
para ensaiar um aperto de mãos,
aqui, onde ficou sem gaze um hospital
para cobrir a fuga de amapolas?
Quem, quem se atreve a rezar
Tio Sam, Santa Claus, Corpo de Paz
Arca de Alianças, Consolo do Afligido —
o coração esburacado
cicatriza com verdes empoados
Quem me pede que sofra, que soframos de amnésia,
que lhe demos a Fleming três medalhas
que com Bogart bailemos ao tambor
pela amizade do tubarão
e o anzol para as sardinhas?
Não! 0 sol não desperta para vocês,
usuários do ar.
Esse disfarce de ovelha, irmão lobo,
já não engana o candor das violetas.
Agora, como batizarás essa manobra?
Jogos de patos?
Operação antiga na Zona do Canal?
Pilulazinhas Johnson para o subdesenvolvimento?
Estes abraços que buscam uma forma de menina,
um latido de noiva, uma fronte nos livros,
filmes não são para soldados morfinômanos.
A viuvez destes quartos não se vende em coca cola.
0 salitre escapado da ferida em desvelo
não é negócio de chicletes ou sapatos.
Este nove de janeiro não é cera de museus,
não é moeda de câmbio,
não tem a assinatura de Bunau Varilla.
Eu tenho que gritar
- Oh, a garganta amarrada de meus mortos,
com seu pólen de incêndio! -
Eu tenho que gritar,
nas quatro pontas da rosa do ar,
onde a UPI soltou seus vampiros.
Qual palavra,
que palavra por mais suja que seja,
não resulta em flor para cuspir no rosto
do búfalo em conserva?
Que adjetivo não é anjo para te pintar abutre,
Se por uma pomba que a mão te oferece,
assassinas a mão, o sal e a pomba!
Não há lago, fronteira, axila que não leve
a tatuagem de teus colmilhos roedores de estrelas.
****
Eu tenho que gritar:
meus mortos são vivas semeaduras,
ataúdes que nutrem a esperança
com o ritmo ascendente de luta.
Na órbitas de Rosa as espigas rebentam,
nas costa de Ascánio se aramam as legiões,
os fêmures de Alberto, Teófilo e Rogelio,
são hastes invencíveis outra vez no muro.
Os olhos de Ricardo, os bicos de Rodolfo,
as células de Victor, os dedos de Carlos,
as pernas mordidas, seus núcleos roxos,
substâncias nacionais, viraram patrimônio.
O sangue dos homens é historia que vive,
seiva que da morte
ganha corpo,
soberana presença da pátria.
(De Soberana presencia de la patria, 1964)
TEXTO EN ESPAÑOL
POESÍA CONTEMPORÁNEA DE AMÉRICA LATINA. Org. Jorge Boccanera; Saúl Ibargoyen. México, DF: Editores Mexicanos Unidos, 1998. 260 p. Inclui poetas brasileiros.
Ej. bibl. de Antonio Mirand
NAUFRAGIO
I
Hoy
puede ser lunes
o martes veintenueve de febrero
El sol tira sus ases en la puerta.
Mi sobrinha tiene la boca
llena de pastillas de menta.
Una melena loca
corre por la acera
con un jazz preso na garganta.
Eu perdi os lábios,
nos poros apenas velas.
Cheiro a rouxinol embalsamado.
En mi vaso burbulha a névoa
e bebe-a lentamente.
II
¿Sabes
cómo camina el hombre
cuándo la cara se le cae
frente al espejo?
III
Es inútil
arrancarme los cabellos
y colgar los ojos en los alfileres
ningún perro aúlla
en las lunas de mis venas.
Libertad, amor. Carlos Marx o Lenin
son pedazos de botellas de éter.
Es inútil
me há quedado sin trino el esqueleto
y toda flor
que se acerca a mi tacto
se envenena.
IV
Hoy
puede ser lunes
o martes veintinueve de febrero.
Encontré mi rostro
comido de sales
y no puedo llegar a las certezas.
Hoy
con mi olor
a ruiseñor embalsamado
sólo quiero dormir bajo las piedras.
TEXTO EN PORTUGUÊS
Tradução: ANTONIO MIRANDA
NAUFRAGIO
I
Hoje
pode ser segunda-feira
ou terça-feira vinte e nove de fevereiro.
O sol lança seus ases na porta.
Minha sobrinha tem a boca
cheia de pastilhas de menta.
Um cabeleira louca
corre pela calçada
com un jazz prendido en la garganta.
He perdido los labios,
en los poros sólo velas.
Huelo a ruiseñor embalsamado.
En mi vaso burbujea la niebla
y me la bebo lentamente.
II
Sabes
como caminha o homem
quando a cara despenca
frente ao espelho?
III
É inútil
arrancar-me os cabelos
e pendurar os olos nos alfinetes
nenhum cão late
nas de minhas veias.
Liberdade, amor. Carlos Marx ou Lenine
são pedaços de garrafas de éter.
É inútil
fiquei sem trinado no esqueleto
e qualquer flor
que se aproxima de meu tato
se envenena.
IV
Hoje
pode ser ser segunda-feira
ou terça-feira vinte e nove de fevereiro.
Encontrei meu rosto
comido pelo sal
e não consigo ter a certeza.
Hoje
eu com o cheiro
de rouxinol embalsamado
quero apenas dormir debaixo das pedras.
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Página publicada em maio de 2021
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